M do dia
04.06.2018 • 19:06 por Mónica Mendes

M Report – Field Day Festival

*começo a escrever este texto no aeroporto de Luton em Londres, onde me encontro a pernoitar porque perdi o último voo para Lisboa mas ainda assim, num golpe de sorte, consegui o único lugar disponível no primeiro voo da manhã, às 7:00…é complicado. Vamos por partes.*

Tudo começou numa tarde de Fevereiro, num quiosque no Saldanha.

A S. Filipa Alberto que vive e trabalha em Londres, éMiana ferrenha há muitos anos, enviou-me uma mensagem a dizer que estava em Portugal e tinha uma prenda para mim. Marcámos um café e depois de uma animada conversa, a Sandra saca o telemóvel com um sorriso: “…é assim…tenho aqui uma coisa para ti…” e vira o telemóvel na minha direção. Eu vejo um bilhete para o Field Day Festival que já tinha mencionado aqui no site e nas redes sociais por ter um cartaz tão “M friendly”.

“Isto”, continuou “é para te agradecer o facto de não nos teres abandonado, de teres prosseguido com o M! E é para te dar força para não desistires.”

Fiquei com os olhos cheios de lágrimas, a garganta fechou-se e fiz um esforço grande no meio do espanto e da alegria, para não desatar a chorar ao mesmo tempo que tentava encontrar palavras para agradecer aquele gesto. Nesse dia fui para casa sem sentir os meus passos, deslizei com o coração a rebentar de orgulho e a cabeça incrédula, às voltas a pensar na generosidade dos meus ouvintes. Rebenta qualquer escala, vamos combinar! No caminho partilhei por sms com alguns amigos o que tinha acabado de me acontecer. Ninguém acreditava. Alguns ligaram-me porque achavam que não tinham percebido bem. “Tás a brincar! Um bilhete para um festival? Em Londres??…”

Não, não estou a brincar! E vim! No dia em que Erykah Badu foi cabeça de cartaz.

Esta foi a 11ª edição do Field Day Festival a acontecer em Brockwell Park, um parque gigante a sul de Londres. O Line-Up é desenhado de uma forma equilibrada entre artistas consagrados e outros tantos emergentes que se distribuem por 5 palcos.

Em 2018 o cartaz cantava-se assim: Moses Sumney, Mr. Jukes, Loyle Carner, IAMDDB, Zara McFarlane, Earl Sweatshirt, Thundercat, Jordan Rakei, Mahalia, Tony Allen, Lee Fields and The Expressions, 4Tet, Madlib, Masego, Erykah Badu e muitos, muitos outros.

Nos intervalos, inúmeras bancas de comida e bebida, jogos tradicionais, rodas gigantes e um público do mais animado que vi em Londres, todos pintalgados de purpurinas (é a última moda em Londres!) e absolutamente decididos a divertirem-se à bruta.

Acabei por ver apenas 1/10 do que queria. Os concertos começavam às 2 da tarde. Conclusão: Moses Sumney, Tony Allen, Lee Fields, Mr. Jukes, Obongjayar já tinham tocado quando cheguei ao recinto por volta das 5.

Comecei por IAMDDB, inglesa, filha de mãe Portuguesa e pai Angolano. Foi aplaudida com estrondo pelos seus conterrâneos, incluindo as duas lusitanas que ali estavam: eu e a Sandra.

Cheia de ritmo nas rimas, com um embalo que pisca o olho ao trap com farrapos de um jazz actual, mais urbano. Altamente eficiente, muito comunicativa agarrou sem esforço a plateia inteira.

Saltei para Jordan Rakei. Neo-Zelandês a viver em Londres e a enveredar pela Soul, no caso, pela Blue Eyed Soul. Amigo dos Fat Freddy’s Drop e do produtor FKJ, a sua música rodopia nessa direção: Soul a encostar-se ao Reggae.

O concerto começou com o sound-check descarado, sem medos, com cada um dos músicos a cantarolar, “AH AH AHH…EH EH EHH…” enquanto faziam sinais ao técnico, perante uma plateia que achou tudo normal. Falharam as duas vozes femininas que o acompanhavam nos coros, ouviam-se muito mal apesar do esforço. Rakei, sempre agarrado às teclas, conseguiu oferecer-nos o ritmo pretendido. Cumpriu.

Fiz uma paragem para abastecer e, apesar de ter perdido o concerto da Mahalia, consegui ouvir as ondas de entusiasmo de um público que, pelos aplausos e gritos, me soou a completamente rendido.

Segue-se Masego. Fui cedo para a tenda onde ia actuar para ficar lá à frente, mas os Ingleses são altos, tss.

Este rapaz é um portento e, apesar de não ter sido tão bem recebido como os artistas que referi anteriormente, conseguiu crescer ao longo do espectáculo. Entrou de mansinho com o seu ainda curto reportório, desviou para Justin Timberlake, fintou com “Sexual Eruption” de Snoop Dogg e agarrou toda a gente com Michael Jackson e com Prince. Deixou no ar as suas principais influências. Quando se ouviu o “I love you, I love you, I love you…” do início de “Navajo”, o pessoal explodiu num aplauso gigante, mas foi mesmo no final, quando pegou no saxofone para interpretar “Tadow”, (partilhado com FKJ) que mostrou todo o seu potencial.

Elegantíssimo e com um talento que nunca mais acaba, espero vê-lo em Portugal em breve.

Mais uma pausa, mais uma volta pelo recinto e mais duas Portuguesas residentes em Londres que se juntaram a mim e à Sandra para o “grand finale”, Erykah BaduMedulla OblongataSarah BellumAnnieAnalog Girl in a Digital World…pode vir na personna que bem entender que vai ser muito bem recebida pelos milhares de pessoas que se começaram a juntar em frente do palco principal.

Badu subiu ao palco um bom bocado depois do previsto. Custou-lhe caro este atraso, mas já lá vamos.

Apareceu como só ela sabe; devagarinho, ao som dos músicos que a acompanhavam, como quem não quer a coisa, com ar de quem também vai assistir a um concerto no sentido inverso, de cima do palco.

Badu é realeza! Sombra de olhos vermelha, calças com uma bainha que o comum dos mortais subiria à vontade uns 40 cms e plataformas que a obrigavam a andar como se estivesse a pisar ovos (pacífico. Badu consegue!), anéis variados, unhas pintadas de várias cores até aos dedos e um cabelão que dava para enxertar numa equipa inteira de futebol, suplentes incluídos.

“hello, hello, hey, hello, hello…” e as pessoas reagem com um rugido de boas vindas. “But You Cain’t Use My Phone” para começo de uma conversa cujo tema é os 21 anos do seu primeiro álbum, “Baduizm”. Badu explica que compôs esse álbum com o primeiro filho, Seven, na barriga. Foi feito para ser compreendido pelos “90s babies”.

Passou praticamente por toda a sua discografia: “Me” de “New Amerikah”, “I Want You” de “Worldwide Underground”, “On & On”, “Telephone”, “Next Lifetime”, “Tyrone”.

Sempre muito comunicativa, nos intervalos das canções partilhou as suas crenças com o ar malandro que a caracteriza. Falou das abelhas (a extinção das abelhas preocupa-a! aliás, a mixtape “But You Cain’t Use My Phone” teve como mote os estudos científicos que apontam os malefícios das frequências dos telemóveis para as abelhas.), falou de amor e expôs o seu lado esotérico que não adivinhou que o seu microfone iria ser abruptamente cortado e retirado das suas mãos, enquanto interpretava “Bag Lady”. Na altura não percebi porque estava a fazer um directo para vocês no Instagram, mas ao rever as imagens, foi claro. Um segurança tirou-lhe o microfone. Mais tarde descobri que era uma condição do Field Day, acabar os concertos a uma certa hora para não incomodar os habitantes da zona. Erykah Badu foi uma senhora. Encolheu os ombros, gesticulou para percebermos o que tinha acontecido, abriu os braços e agradeceu-nos com sinceridade, um sorriso doce, o sinal da paz, e saiu do palco.

Não sabemos se “Bag Lady” seria a última canção. Ficou a faltar “Appletree”, que continua a ser a minha preferida, e outras tantas. O que não faltou foi o sorriso que nos rasgava a cara enquanto saiamos do recinto a cantarolar as canções.

Obrigada Sandra Alberto! Valeu!

 

 

*acabei de escrever este texto já em Portugal. Sã, salva e com a cabeça fresca. Como vocês merecem!*