Primavera Sound Barcelona – Dia 3
Foi com a notícia do Primavera Sound em Los Angeles espalhada por todos os cartazes do recinto que entrei no 3º dia do Primavera Sound Barcelona. Já se previa que iriam tirar um belo coelho da cartola para a comemoração dos 20 anos do festival espanhol até porque desde o primeiro dia, a mensagem “20/20 vision” esbarrava com a nossa retina para onde quer que nos virássemos.
Entrei no Parc Del Fòrum ainda de dia e juntei-me à S. Alberto e ao João Siopa, éMianos convictos a quem agradeço a companhia e as contribuições. A olhar com atenção para o cartaz, traçámos o plano de ataque para este último dia que já me tinha feito franzir muito as sobrancelhas a olhar para as sobreposições do horário. “Então…Kali Uchis naquele palco…mas depois perdemos Channel Tres e a Neneh Cherry…e o Pusha T? Já foi! Pronto, olha paciência! Agora o grande problema é que a Lizzo toca lá longe, na praia entre a Rosalía e a Solange…e a Tierra Whack a mesma coisa…”.
Como imaginam, tinha vontade de ver tudo e de vos conseguir mostrar os artistas em que aposto há tantos anos no M, mas é impossível com um recinto daquele tamanho e tantos nomes apetecíveis.
Começámos pela colombiana Kali Uchis que entretanto cancelou o concerto do Porto, malvada! Apareceu em palco com roupa reduzida e muito colorida, dengosa, só lhe falta fazer “renhau”. Imaginem uma alma velha que também é sexy…é essa a personagem que Kali Uchis encarna. Canta que se farta e apoiada por uma banda que percebia de Funk, passou pelo excelente álbum “Isolation” e pelo EP “Por Vida”, com uma versão de “Creep” dos Radiohead pelo meio e um público muito receptivo à sua linguagem.
A uns minutos de Rosalía jogar em casa, começaram a aparecer pessoas de todos os lados. Milhares e milhares que se tentavam acomodar para assistir ao concerto da menina sensação que sobe ao palco principal vestida de cor de rosa dos pés à cabeça e a dar tudo na nail art, rodeada por 6 bailarinas que lhe dão o street credit necessário para cortar a seriedade do flamenco.
Muito emocionada por estar a tocar em casa, dirige-se ao público em catalão com sangue na guelra e a mão no peito, lágrima ao canto do olho, agradecida por tudo.
É logo à 3ª canção que James Blake aparece e depois de um abraço apertado interpretam juntos a arrepiante “Barefoot in the Park”. Adoro esta canção! Adoro! Infelizmente perdi o vídeo lindo que gravei deste momento com o palco cheio de luzinhas. Mágico. Vão ter de acreditar na minha palavra 🙂
O concerto prossegue com todos os êxitos de “El Mal Querer” e o público a amar e a reagir com entusiasmo às coreografias energéticas e às imagens coloridas, cantou em uníssono a maior parte das canções. Foram vários os momentos altos do concerto de Rosalía, nem imaginam o barulho que fizeram quando os ecrãs gigantes (benditos!) mostraram um céu azul com nuvens e aparece J Balvin…”vamo a arrancarlo con altura…”.
Rosalía tão depressa encarna a estudiosa aplicada e orgulhosa de flamenco como dá um saltinho ao gueto com transições fluídas, quase sem darmos por elas. É assim que a música evolui. O concerto terminou com “Malamente” interpretado por uma massa humana que se estendia até fora do recinto.
Em menos de um trá trá começa, no palco em frente, o aguardado espectáculo de Solange com “When I Get Home”, o novo álbum, doido para se materializar na visão da texana estilosa. Sim, é mesmo um espectáculo em que cada gesto, cada nota, cada movimento é pensado…não é ao pormenor, é mais do que isso. Uma enorme escadaria branca com o baterista enfiado no vão e os restantes músicos (todos de se lhe tirar o chapéu!!) estrategicamente distribuídos, ar sério, vestidos de preto, preparam a entrada solene de Solange e das duas vozes de apoio que a acompanham. Foi num segundo que sacudimos os restos de glitter que ainda estavam agarrados aos nossos tímpanos para receber Sol. Graças aos ecrãs gigantes vi-a expirar compenetrada e algo nervosa, num movimento que todos nós fazemos quando se aproxima algo muito importante em que não queremos falhar. As coreografias minimalistas vão-se soltando à medida que Solange desfia o novo álbum, muito bem recebido no Parc Del Fòrum. O calor aperta em cima do palco e expõe as fragilidades da cantora que, entre músicas, revela as motivações de “When I Get Home” perante ouvidos atentos e receptivos. Conta que uma doença violenta lhe roubou a energia e a obrigou a passar muito tempo em hospitais (alguém sabia disto??…). Num interlúdio arrepiantemente honesto explica que aprendeu a enfrentar os seus demónios e a visualizar o que queria da vida agradecendo-nos emocionada a forma como dançámos ao som das novas músicas. Foi, explica, a materialização do seu sonho e da sua cura.
Solange oferece um espectáculo que podia estar exposto num qualquer museu. Dá que pensar, tem muitas nuances subtis de forma a serem interpretadas de forma individual mesmo estando no meio de milhares de pessoas e só sublinha o seu indiscutível contributo para a música. Não esquece “A Seat at The Table” com “Cranes in The Sky” e “Don’t Touch My Hair” que a levam sorridente até ao final.
Tive de dar uma corrida para apanhar um autocarro em direcção à praia onde já estava a tocar a promissora “Tierra Whack”. Sem saber muito bem onde se situava o seu palco, percebi num ápice que era só seguir as centenas de pessoas que abriam caminho pela zona mais dançável e se precipitavam em bloco para o mesmo sítio. Confere. Que show! Vestida com as cores da Jamaica, de frente para o mar e um som potente, limpo a condizer com as imagens cuidadas e coloridas que passavam nos ecrãs. É saudavelmente endiabrada esta rapper que não me canso de divulgar! O futuro passa por Tierra Whack, acreditem.
Dei 15 minutos de folga aos meus pés, fui buscar uma cerveja e sentei-me num dos muitos bares de praia a fazer contas à vida. Ora, perdi JPegMafia, Channel Tres, Pusha T, Neneh Cherry (que recebeu na véspera o Prémio Primavera Sound pelos 30 anos de carreira), Lizzo…Tinha mensagens por ler e quando abri a do João Siopa, li: “Mónica…lamento que estejas a perder isto. Festão incrível, melhor festa do Primavera”, seguido de alguns vídeos do concerto que sublinhavam a néon as suas palavras. Muito, muito bom. É outro nome em que insisto com convicção, Lizzo rulezzz!
Voltei para a zona dos palcos grandes para ver James Blake que já tinha começado a tocar. Era só ir na direcção daquelas frequências que nos fazem cócegas no estômago, sabem? Jogo de luzes potente, maquinaria pesada em palco e James Blake rodeado de teclados. Som preciso, cheio de pormenores que não se podem perder e que deram azo a muitos “shhhssss” da audiência para os restantes que não deixavam ouvir. “Assume Form” quase na íntegra intercalado por canções mais antigas como a versão incrível de “Limit to Your Love”.
Vou ver tudo outra vez com gosto na edição portuguesa que começa já na 5ª feira, no Porto. Consultem os horários aqui, sigam-me no IG e preparem-se para assistir a concertos memoráveis.