Marvin Gaye

Logo no início aquele abraço do saxofone no tema título, “What’s Going On”…e depois o swing, a voz, o grito sobre o que o preocupa…é muito difícil escrever sobre este álbum, e não porque já muito foi dito sobre ele, mas porque é um tratado! Sobre música, pobreza, racismo, ecologia, guerra, sobre as genuínas preocupações de Marvin Gaye.
Como ávida consumidora tanto do material como da história da Motown, é-me difícil não enquadrar “What’s Going On” no espaço e no tempo de uma América a sofrer pelos seus familiares enviados para o Vietnam, e de uma indústria musical a fazer de conta que está tudo bem, com as suas canções de amor e desamor, amizade e sorrisos porque a guerra e a pobreza não vendem. Foi com esta máxima que Berry Gordy, o patrão da Motown, se recusou a editar o single “What’s Going On” de um cantor que se pretendia romântico, sex-symbol. Mas Marvin insistiu: não queria admitir que a editora o moldasse como bem entendia, não. Em 71 é editado o álbum depois do single ter sido recebido com aplauso geral. “What’s Going On” o primeiro a pôr o dedo na ferida, abrindo o caminho a muitos artistas que se seguiram na arriscada e, até então pouco lucrativa manobra de cantarem o que lhes vai realmente na alma.
Costumamos dizer que as grandes obras de arte, nascem sempre da dor, de ambientes pouco saudáveis, tóxicos…tendo a concordar com esse acordar artístico, quase de sobrevivência, mas nos dias que correm é mais fácil, quanto mais não seja porque estamos à espera que isso aconteça, mas não consigo imaginar a coragem e a força necessárias para registar em disco tudo isto pela primeira vez.
Se só pudesse salvar um disco? Era este.